Precisamos falar sobre Kevin.
- Bruna Januzzi Ilario
- Jun 28, 2016
- 3 min read
Precisávamos, mas nunca falamos e agora já é tarde demais. É dessa forma que o nome do filme e alguns diálogos que não aconteceram, mas deveriam ter acontecido, falam sobre o presente cheio de culpa de Eva (mãe do protagonista) que luta o tempo todo para reparar os danos causados e explicitados durante o longa-metragem "We Need to Talk About Kevin" baseado no livro que possui mesmo nome.

Eva
Uma mulher que sempre fugiu de si e do estabelecimento de laços estáveis, por meio de atitudes irresponsáveis, sem compromisso e inconsequentes, se encontra, repentinamente, por conta de uma dessas irresponsabilidades, olhando para sua gravidez refletida no espelho. Não há mais como fugir do passado e de uma infância provavelmente odiada, das lembranças de ter sido uma filha mal recebida ou não reconhecida da maneira necessária. Não há mais como ignorar ou adiar o reconhecimento de que é uma mulher assim como sua mãe e, também como sua mãe, uma mãe. Dessa forma, Eva (o que mais nos sugere o nome?*), odeia seu filho desde antes que o mesmo nasça e assim prossegue odiando-o em cada minuto de seu crescimento, inapta para conseguir estabelecer a tão natural sincronia entre mãe e bebê que a permitiria sentir e suprir as necessidades de seu filho, dentre as quais, a necessidade de se sentir amado (Leia um pouco mais sobre o tema "mãe-bebê aqui: http://brunajanuzzilario.wix.com/bruna-januzz-ilario#!Toda-Mãe-Ama-os-Filhos/husk9/5756e6020cf2cc77abfb10c0) .
Kevin e Eva
De todas as formas possíveis, Kevin procura se inserir na vida de sua mãe que só consegue estabelecer comunicação com ele de maneira artificial. Isso quando não quer se ver livre dele, como no "quarto especial" dela, um quarto com as paredes forradas de mapas que indicam que Eva gostaria de estar em qualquer lugar do mundo, menos ali com seu filho e, pior, que seu filho não é um dos elementos especiais de seu mundo representado pelo quarto, tampouco está presente nele (não há fotografias do primogênito e o mesmo não é bem vindo ali). Observando e captando tal mensagem sobre os desejos de sua mãe, Kevin, quando criança, tenta se colocar no mundo dela ao adentrar o quarto para pintar e "destruir" os mapas com sua presença forçada.
De uma forma ou de outra, Kevin quer ser reconhecido por Eva, quer mostrar o terror que sua falta transformou ele; sua mãe é o alvo de sua existência e ele pretende atingi-la.
Pai
Poderiam dizer que o pai de Kevin o ama, mas como um homem que só enxerga o que deseja enxergar pode realmente amar o filho como ele é?
Kevin
Como existir se nunca foi considerado e admitido pela mãe? Como amar se nunca recebeu amor ou foi amado por quem era? Como aceitar os outros se nunca foi aceito pela primeira pessoa que devia tê-lo aceito incondicionalmente?
Família
Assim, Eva continua odiando o filho enquanto o mesmo finge ser para o pai o que o pai deseja que ele seja, até que, aproximadamente sete anos depois, nasce uma filha e, com ela, um verdadeiro amor materno em Eva, ou seja, somente quando seu filho já completou sete anos de existência é que um amor por ele, puro e inocente, mesmo pequeno como um bebê, começa a nascer no coração de sua mãe e com ele cresce a vontade de que esse sentimento seja percebido pelo filho, o que, infelizmente, não acontece. Já é tarde.

Tragédia
Bullying gera assassinos? A história nos mostra que é preciso muito mais do que isso, aliás, a história nos mostra que esse muito nem precisa ser somado ao bullying para criar homicidas.
Eva
Sim, ela entendeu o recado e assumiu a culpa, na verdade, já havia assumido há muito tempo, pois as manchas de tinta (sangue?) permanecem nas paredes de seu mundo e, para se livrar delas, Eva traça um caminho rumo ao passado, tentando identificar e reparar o que fez de errado e, quando fecha uma volta de análise em torno de sua própria vida, ela pode perceber seu filho e, pela primeira vez, abraça-lo com sinceridade.
*Pensando sob um contexto psico-religioso, podemos lembrar da Eva bíblica, a primeira mulher existente e filha de um pai (Deus) que a concebeu sozinho, sem uma mãe. Assim, Eva não sabe o que é ser mãe, pois nunca teve uma, pelo menos uma presente, e esse vazio nutriu um Ego frágil, que vive ao se esquivar de uma falta que voltou a ficar evidente com o nascimento do primeiro filho e gerou o ódio necessário para sobreviver.
Escrevi esta resenha em 2012 e, desde essa época, não voltei a assistir o filme. Por isso, convido o leitor a acrescentar mais interpretações e deixo uma pergunta: Qual a origem do amor que surgiu em Eva com o nascimento da segunda filha? A experiência? O fato de ser planejada e servir como um aperfeiçoamento? Ou algo mais?
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